Quando passo muito tempo sem ir à minha cidade natal, a primeira coisa que algumas pessoas me perguntam é: está trabalhando? Minha vontade é responder que sim, muito, em casa. Mas essa resposta não agradaria os ouvidos dos curiosos, porque o trabalho de cuidado das mulheres é invisível. Quando o questionamento vem de uma pessoa que gosto, passo boa parte do tempo explicando meus projetos pessoais e minha rotina de trabalho no lar. Por que o trabalho de cuidado da mulher é invisível? Eu sei que muitos não levam a sério esse assunto e, por isso achei tão importante o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) abordar esse tema em 2023. É uma boa reflexão.
Ainda hoje muitas crianças, adolescentes, jovens e mulheres acreditam que trabalho doméstico é exclusivo para o sexo feminino. E essa tese enraizou de uma forma na sociedade, que às vezes fica difícil cortar o mal que esse pensamento pode trazer. Afeta a autoestima e dói. Em vários lares meninas crescem vendo as mães se desdobrando nos serviços de casa (sozinhas) e algumas fazem isso depois que voltam do trabalho fora. Elas convivem com essa referência e acham normal com o passar dos anos. De repente se tornam mulheres que pensam como boa parte da sociedade, que as tarefas de casa são invisíveis. Até que se casam e sentem o peso do esforço sem reconhecimento, sem remuneração e das cobranças. Da família e da sociedade.
Quem já passou por isso?
Certa vez, conversando com meu pai por telefone, ele perguntou como eu estava. Respondi: cansada, pai! Ele então argumentou que eu não estava trabalhando fora e, por isso, não deveria estar cansada. Meu pai é um senhor com mais de 80 anos e para ele, serviços domésticos são coisas normais que mulheres fazem, e por isso não cansam, porque é comum no dia a dia. Não culpo meu pai, afinal é algo que ele vivencia desde que era criança, no século passado, mas agora estamos no século XXI. Por isso, naquele dia, respirei fundo, contei tudo o que fiz em casa e acrescentei: como você não precisa fazer isso, eu te digo: é muito cansativo pai. Ele entendeu e não tocou mais no assunto. Esse é um exercício diário e quando eu, meus irmãos e irmãs estamos em casa, dividimos as tarefas. Um exemplo é sempre bom.
Guerreiras
Mas há conceitos que estão enraizados. Entranhados até em nós mulheres. Eu, por muitas vezes tornei meu trabalho invisível. A explicação era que eu precisava de um emprego com salário para dar uma resposta à sociedade, para me sentir importante. Erro gravíssimo, que corrigi a tempo. Maria do Rozário, uma dona de casa e empreendedora, em uma entrevista ao Profissão Repórter me ajudou com seu desabafo em rede nacional. Após o ex-marido dizer que ela não trabalhava, apenas cuidava de casa, ela respondeu: “A mulher não trabalha? Ela trabalha sim, ela não recebe é salário. Porque, meu amor, você ter uma casa inteira para administrar, você ser babá, psicóloga, diarista (…) e um homem abrir a boca para falar que você não trabalha? Isso é uma falta de respeito.”
A fala de Maria do Rozário ecoou como um grito de todas as mulheres que têm o trabalho de cuidado como algo invisível. E são muitas que passam por isso. Combater o machismo enraizado cansa a mente e o coração, mas mulheres acostumadas a lutar, não desistem facilmente. Lidam diariamente com isso. Combatem os rótulos em casa, nos encontros de família e nas ruas. E somente com exemplos e conversas que as mudanças vêm. O Enem, ao propor essa reflexão a tantos jovens brasileiros contribuiu muito. E quem sabe um dia você não precisará mais explicar para uma menina, que a mulher que fica em casa trabalha sim, e muito.
